Spitzenkandidat, fórmula que ainda não se afirmou

por Sérgio Alexandre - RTP
Debate dos Spitzenkandidat, no final de abril, em Maastricht. Marcel van Hoorn - ANP via AFP

Numa pista paralela à das eleições para o Parlamento Europeu desenrola-se outra competição de grande importância, embora muito menos escrutinada pelos cidadãos e não decidida por voto direto. A batalha pelos principais cargos executivos da União - a começar pelo mais poderoso, o de presidente da Comissão - continua a ser um processo decidido em intensas e secretas negociações nos bastidores, apesar de tentativas para a revestir de maior clareza e essência democrática.

No atual enquadramento legal, que resulta das reformas aplicadas pelo Tratado de Lisboa a partir de 2009, o resultado das eleições europeias “deve ser levado em conta” na nomeação do presidente da Comissão Europeia.

A ideia subjacente era demonstrar que esse processo passaria a ser mais influenciado pela vontade popular expressa pelo voto europeu. No entanto, o caráter opcional conferido pela formulação desse princípio no Tratado de Lisboa permitia antever a possibilidade de o resultado eleitoral passar apenas a ser mais uma variável a juntar às muitas circunstâncias de um intrincado jogo invisível, onde os grandes partidos do Parlamento Europeu ganhariam um papel de maior influência.

Foi dessa forma que, a tempo das eleições de 2014, se criou a figura do Spitzenkandidat (candidato-principal, em alemão), segundo a qual cada uma das principais famílias políticas do PE indica o seu candidato a presidente da Comissão Europeia.

O nome apontado pelo partido vencedor, reforçado pela legitimidade democrática conferida pelo recente resultado eleitoral deverá, assim o diz o Tratado de Lisboa, “ser levado em conta” pelo Conselho Europeu. É a este órgão, onde têm assento os líderes executivos de todos os países-membros da União, que compete eleger por maioria qualificada um nome para presidente da Comissão, submetendo-o depois à indispensável aprovação do Parlamento Europeu por maioria absoluta.

Se o primeiro teste à eficácia do Spitzenkandidat correu como previsto nos manuais – em 2014, Jean-Claude Juncker, indicado pelo vencedor das europeias, o Partido Popular Europeu, acabou mesmo por ser o presidente do governo comunitário – o segundo e mais recente, em 2019, foi bem diferente.

Manfred Weber, Spitzenkandidat do PPE, partido que voltou a vencer as eleições europeias desse ano, não conseguiu recolher os apoios necessários para garantir a ratificação pelos eurodeputados e estava em vias de ser ultrapassado pela solução encabeçada por Frans Timmermans, do Partido Socialista Europeu, no que seria uma espécie de geringonça à moda de Bruxelas. No entanto, à última da hora, o PPE conseguiu segurar o poder, substituindo Weber pela mais consensual Ursula von der Leyen, atual presidente da Comissão.

Simplificando: o PPE venceu as eleições de 2019, mas o seu pré-nomeado para a presidência da Comissão Europeia sucumbiu ao tradicional e opaco jogo político de apoios negociados entre Estados-membros e entre as principais famílias partidárias do Parlamento Europeu.

Criado para dar uma perceção de transparência do jogo institucional europeu aos olhos do cidadão, o ainda jovem processo dos Spitzenkandidaten sofria um revés, prontamente aproveitado como argumento para os detratores do atual statu quo.

E são vários, até dentro do próprio Parlamento Europeu: para as eleições que decorrem entre 6 e 9 de junho, nem os Conservadores e Reformistas nem o Identidade e Democracia, ambos de extrema-direita, nacionalistas, eurocéticos e anti-federalistas, nomearam os respetivos Spitzenkandidaten, alegando a “inutilidade” do processo e destacando precisamente o facto de o PPE o ter torneado há cinco anos, quando se viu na iminência de perder a corrida para a presidência da Comissão Europeia.

Desta vez, von der Leyen corre por dentro, ao perfilar-se para um segundo e último mandato à frente do governo da União como candidata nomeada pelo PPE. Se a família política europeia a que pertence voltar a vencer as eleições, como sugerem as sondagens, terá muito trabalho a negociar com os partidos habituais a formação da sua equipa de comissários, de modo a garantir a indispensável aprovação do próximo Parlamento Europeu. Câmara para a qual os mesmos estudos de opinião vaticinam uma configuração inédita, decorrente de uma votação recorde nos partidos da direita radical.
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